
Deus perdoa. A natureza nunca.
O vento começa a arrancar as roupas do varal. Corro para o quintal na esperança de agarrar a última peça que ainda não voou. Olho para o céu e percebo que está tão negro quanto a escuridão da minha’alma. Faço o sinal da cruz e peço proteção a Deus para que a tempestade que se aproxima não destelhe mais uma vez o meu barraco.
Corro para dentro com o único pedaço de pano que me sobrou. Antes mesmo que eu consiga fechar a porta, o vento se apressa e mostra que quem manda é ele. Amasso o tecido em meu colo e, sem que eu perceba, estou o acalentando e murmurando alguma canção de ninar. Sem que eu consiga controlar, lágrimas escorrem pelo meu rosto. O gosto salgado, infelizmente, me é familiar.
Vou para a cozinha colocar o feijão de molho e baixinho eu rezo para que Deus não permita que tudo aconteça novamente. Enquanto troco a água da panela por uma nova, o apito do vento lá fora me lembra o que eu luto para esquecer.
Por favor, Deus! De novo não. De novo não.
Ligo a TV e espero pelo jornal da noite. A moça do tempo alerta para uma tempestade que se aproxima de Petrópolis. A notícia é de hoje? Acho que já ouvi. Por um instante fico confusa e acho que é um deja vu, mas a realidade me dá um soco na cara e torce o meu estômago. O soluço é inevitável. Há três anos eu vi essa mesma tempestade chegar e esse mesmo vento que grita lá fora arrancar os telhados.
Meu Deus, eu te pedi tanto.
Enquanto a moça da TV explica sobre algum fenômeno natural, eu escuto os gritos do meu pequeno Lucas pedindo socorro. Por um momento, meus olhos correm pelo barraco na esperança de encontrá-lo. As memórias voltam com tanta nitidez que me confundo com a realidade. Olho para o quintal e o vejo soterrado. O barraco caiu sobre ele. Caiu sobre o Lucas, o meu Lucas.
Pisco os olhos para voltar ao dia de hoje. Mais uma vez peço perdão a Deus por tê-lo deixado sozinho naquele dia. Eu precisava trabalhar e não imaginava que uma chuva o levaria de mim. Peço perdão por não ter podido estudar e ter dado um lar digno.
Além do perdão, peço que Deus não leve mais esse barraco que custei a levantar. É a única coisa que tenho.
Por quê, meu Deus?
Eu não pedi perdão o suficiente? Não basta viver com o vazio sem ter o meu menino? Talvez Deus não perdoe. Talvez não nunca tenha me perdoado. Talvez seja o que eu mereço. Talvez…

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