Devaneios

Como eu cheguei ao fundo do poço

Achei que isso nunca seria possível, mas, sim, eu, a fortona, a durona, cheguei ao fundo do poço. Sabe o que eu vi lá? Escuridão, vozes atordoantes na minha cabeça, uma força para me deixar deitada e uma dor na alma.

Vou te contar como cheguei lá. Era junho ou julho de 2020, vivíamos o auge da pandemia de Covid-19 e eu queria conversar com alguém. Baixei o Tinder. Encontrei um rapaz com nome de anjo e que havia me atraído fisicamente. Demos match e começamos a conversar. Com dois dias de conversa ele descobriu que eu trabalhava com marketing também e mudou totalmente o assunto.

Eu o achei chato demais e parei de conversar com ele, deixei o assunto morrer. Alguns meses se passaram, eu esqueci dele e – do nada – recebi uma mensagem no WhatsApp me convidando para trabalhar com ele. 2020 foi um ano eleitoral para os municípios e ele gostaria que eu trabalhasse em algumas campanhas. Eu, prontamente, neguei. Não tinha tempo para isso. Ele insistiu, joguei meu preço pro alto e ele conseguiu negociar. O preço ficou bom pra mim também. Então, falei que só poderia trabalhar de 19h às 00h e de 5h às 7h. Era mais uma tentativa dele desistir: ele aceitou.

Começamos a trabalhar e fazer mil videochamadas de reuniões, afinal ele estava no Sul e eu em Brasília. Como as reuniões eram sempre tarde da noite, muitas vezes estávamos bebendo e acabávamos conversando sobre a vida pessoal. Eu reparei que ele fumava muito e aquilo me assustou. Perguntei se ele era sempre assim, ele negou e disse que era o estresse da campanha.

O tempo passou e, com ele, surgiu um interesse mútuo. Ele me dizia que estava solteiro há alguns meses. Num certo dia recebi milhares de mensagens do número dele às 3h. Uma moça havia digitado falando que era namorada dele e que era pra eu deixá-lo em paz. Oi? Ele não era solteiro? Achei que era brincadeira. O questionei e ele disse que a menina era louca, que eles ficavam e ela tinha entendido tudo errado.

Antes mesmo de o conhecê-lo eu já havia sentido duas red flags: o fumo excessivo e chamar a garota de louca. Lembro que fiquei um tempo sem falar com ele e quando passou o período eleitoral, ele regressou para Brasília. Nos encontramos e ficamos. A química foi instantânea. Começamos a nos ver semanalmente. Ele sempre me procurava no fim do domingo e eu ia até ele. Isso começou a me incomodar e comecei a me afastar.

No fatídico dia de carnaval ele perguntou se podia ir pra minha casa. Ele foi e nunca mais saiu. Os primeiros dias foram incríveis: muito álcool, muito sexo e comida boa. Eu acreditava que tinha encontrado meu príncipe encantado. Até sushi ele fez pra mim e ainda disse: “nunca fiz isso para ninguém”. Nesse mesmo mês, ele pediu para eu trabalhar pra ele. Eu não tinha como dizer não para o amor da minha vida.

O tempo passou e eu comecei a me incomodar de não conhecer os amigos dele, de não conhecer a família dele e de vivermos numa bolha. Ele sempre tinha uma desculpa esfarrapada, que na época eu julgava compreensível. Em maio, ele, finalmente, me pediu em namoro. Ele estava bêbado. Jurei que ele não iria se lembrar. Ficamos de fevereiro a maio morando juntos sem um pedido formal de namoro. Ele disse que nunca na vida dele me trairia porque tinha respeito por mim e estava morando sob o meu teto.

No dia dos namorados, eu postei no Instagram uma foto de uns presentes que ele me deu. Ele me pediu para eu apagar. Questionei o motivo, ele disse que as pessoas ainda não sabiam direito que a gente estava namorando e pegaria mal. Fiquei puta, mas relevei.

O tempo passou e nada de apresentação para a família. Eu ameacei terminar e ele me levou para conhecer os amigos. Me senti mal no ambiente, eu não combinava com as pessoas. O álcool era o rei e a maconha a rainha. Não vou ser hipócrita de dizer que nunca experimentei, mas eu nunca cheguei nem perto de ser adicta como eles. Vi esses amigos uma única vez.

Nesse meio tempo ele já conhecia toda a minha família, meus amigos e já tínhamos viajado todos juntos para uma chácara. Do meu lado era um namoro normal, do dele, não. A balança desigual me deixou triste, depressiva, paranoica e ciumenta. Meus amigos diziam que ele tinha outra namorada e eu dizia que era impossível, ele era só um cara complicado. Comecei a ter ciúme de uma menina específica que morava em outro estado. Ele dizia que eu era louca, que ela era feia, mãe de dois filhos e nunca se envolveria com ela.

Meu ciúme era motivado por ele, às vezes, trabalhar na cidade dela e, volta e meia, postarem fotos em eventos. Ele me garantiu que nunca teve nada com ela, além de um selinho, antes da gente começar a ficar. Passei noites pensando nessa menina e meu ciúme estava me fazendo mal. Eu tinha enxaqueca todos os dias por dormir mal, meu coração estava sempre acelerado e eu tinha uma sensação de mal estar constantemente.

Durante o ano, não lembro exatamente o mês, ele foi padrinho de casamento de uma familiar dele e me convidou. Os dias foram passando, a data se aproximando e ele parou de falar do casamento. Ele me desconvidou de uma forma silenciosa. Perguntei o porquê disso e ele disse que a família dele não estava preparada para me conhecer porque ainda tinham muito apreço pela ex-namorada dele. Esse casamento + a falta de me apresentar para os pais + mais a garota do outro estado estavam me deixando louca. A gente começou a brigar com muita frequência.

Em agosto, ele foi para outro casamento, dessa vez no outro estado e de um contato profissional. Questionei se ele não me levaria e ele disse que lá não era ambiente pra mim, que não gostava do noivo e que não tinha motivo para eu ir. Fiquei morrendo de raiva e relevei. Na manhã seguinte do casamento ele me mandou uma mensagem dizendo que havia batido o carro, derrubado um poste e e quase deu PT. Fui buscá-lo super preocupada e ele ficava se lamentando dizendo que não tinha como pagar o carro, que teria prejuízo financeiro porque não conseguiria ir pro outro estado trabalhar e eu, boba, fiquei com dó. Eu tinha um cartão de crédito que não usava e com o limite alto. Emprestei. Que mal tem emprestar um cartão para o seu namorido, não é mesmo?

Ele levou o carro pra arrumar e parcelou tudo em 12x. Lembro que até brinquei falando que ele estaria preso a mim por mais um ano. Mal eu sabia que aí começaria o meu calvário. Além das contas do carro, ele passava absolutamente tudo nesse cartão. Exceto ajudar em casa. Durante um ano morando juntos eu posso contar nos dedos às vezes em que ele pagou o condomínio do prédio e fez compras pra casa. Isso estava me incomodando e conversei com ele algumas vezes sobre o assunto. Ele dizia que estava totalmente sem dinheiro, mas que ajudaria assim que possível.

Em outubro eu tentei terminar. Falei sobre absolutamente tudo que estava me incomodando. A falta de reconhecimento enquanto namorada, a falta de ajuda financeira, a falta de respeito, tudo. Chorei, expliquei pra ele os meus traumas, solucei e implorei pra ele fazer diferente do meu primeiro namorado. Ele ficou assustado e disse que era muito diferente do meu ex e que se visse esse rapaz na rua, seria capaz de agredi-lo fisicamente por ter me feito tão mal. Me prometeu que ainda nesse mês me apresentaria para os pais, o que não aconteceu.

Marcamos uma viagem de férias para o fim de novembro e início de dezembro. Ele me pediu para mudar a data porque teria compromissos profissionais. Comprei as passagens aéreas no meu cartão e as remarcações também. Ele disse que me pagaria mensalmente. Chegou o momento da viagem e senti uma coisa estranha. Ele não me tratou mal ou algo do tipo, mas eu senti que ali não era o meu lugar e não me imaginava para sempre com ele. Isso me deixou mal. Na viagem, ele adoeceu. Pegou a H3N2. Eu comprei milhares de remédios, termômetros e tudo. Cuidei dele com o maior amor e carinho. Voltamos pra Brasília e eu peguei o vírus dele. Fiquei de molho em casa, mas comecei a piorar. Pedi pra ele me acompanhar ao hospital. Ele estava em duas festas de trabalho e não foi.

Ali, no hospital e sozinha, senti novamente a sensação de que não tinha futuro nessa relação porque eu estaria sempre sozinha. Fiquei emocionalmente pior. Comecei a rejeitar convites pra sair, desanimei da atividade física, só queria ficar deitada.

O Natal se aproximou e ele começou a ficar distante. Passou o dia 24/12 com a família e à tarde do dia 25 comigo. Depois foi para os amigos dele. Aí ele sumiu. Parou de dormir em casa, falava que a mãe dele precisava dele lá e eu fui entendendo, mas sabia que algo estava muito estranho. Até virtualmente ele estava afastado. Pedi para conversarmos um milhão de vezes e nada. No réveillon – que seria o nosso primeiro juntos- ele disse que passou com a família, mas tem foto dele com os amigos no dia 1 de janeiro. Então, não sei para onde ele foi. Pra mim, foi absurdo passar a virada de ano longe da pessoa que morava comigo.

Alguns dias se passaram e ele voltou para casa, estávamos vivendo normalmente até que encontrei brincos e anéis no casaco dele. Questionei o que era aquilo e quis terminar, ele disse que eram de alguma amiga, me pediu pra ter calma, disse que me amava e que não ia terminar. Dormimos. Na manhã seguinte os familiares de um amigo dele faleceram. Ele começou a ouvir marcha fúnebre sem parar. Aquilo começou a me incomodar porque era, literalmente, sem parar. Ele ouvia e chorava. Comecei a me achar insensível. Só depois percebi que ele induzia o choro com a música. Ele dizia que precisava ficar com o amigo dele pra ajudar nesse momento difícil. Eu falei pra ele ir e ficar lá o tempo que fosse necessário.

Mas sabe o cartão que emprestei pra ele lá em agosto? Eu recebia SMS informando onde ele estava usando. Nesse período, comecei a ver o uso em um bar diferente do que a gente ia e em outro bairro. Achei estranho e questionei. Ele disse que tinha reencontrado um amigo que morava naquele bairro x. Dois dias depois era o meu aniversário e ele participou de todas as comemorações, mas reclamou do preço do restaurante e não me deu presente. Nesse dia, ele me convidou para morarmos num apartamento maior e melhor. Fiquei feliz da vida! Afinal, as coisas estavam progredindo. No dia seguinte do meu aniversário, ele voltou pra casa da mãe dele e mal falava comigo. Dei um ultimato para conversarmos. Ele apareceu na véspera do aniversário dele. Me disse que estava confuso, que viveu muita coisa nos últimos dias, que queria ficar sozinho e pediu um tempo. Eu disse que não acreditava em tempo e terminei. Questionei se ele havia me incluído em alguma programação do aniversário dele e ele disse que não. Aquilo me matou mais uma vez.

Recolhi as coisas dele, coloquei em sacos de lixo e o ajudei a colocar no carro. Chorei. Caí. Achei que ia morrer. Fiquei noites acordadas pensando e achando que havia feito algo de errado. Chamei ele pra conversar na semana seguinte, pedi desculpas por ter pressionado tanto pra conhecer os pais dele e pedi pra voltar. Ele negou e disse que precisávamos de mais tempo separados, mas nesse dia ficamos.

Na semana posterior nos encontramos de novo. Eu já não queria mais voltar, tava achando ele até meio estranho. Uma cara de alcoólatra. Conversamos, resolvemos problemas profissionais e ele me beijou. Perguntou se eu não queria dar uma volta no carro, fomos. Nos beijamos de novo e quando eu quis prosseguir ele disse que não era o momento, mas que se eu quisesse, a gente poderia marcar para depois. Fiquei puta e saí do carro. Essa foi a última vez que o vi.

Menos de um mês depois ele postou foto com uma menina nos stories do Instagram. Eles estavam viajando juntos e eu já havia visto o rosto dela. Em alguma crise de ciúme eu vi que ele curtia todas as fotos dela e comentava com coração. Questionei o que era aquilo e ele dizia que mal conhecia a menina e que o comentário era só um comentário. Enfim, nesse dia da praia deles, eles não só estavam juntos, mas estavam viajando em lua de mel. Nessa hora, larguei o trabalho que fazia para ele. Ali eu entendi que ele estava com a amante desde novembro, sendo que a gente só terminou no dia 18 de janeiro.

Fiquei puta! Ele não havia me pagado as coisas da nossa viagem. Paguei passagens, hospedagem e passeios no meu cartão e ele nunca pagou nada. A dívida das nossas despesas da viagem, o conserto do carro dele e meu salário atrasado somavam R$ 15 mil. Loucura! Ele tinha dinheiro para gastar com a amante e não tinha dinheiro para me pagar.

Após muito quebra-pau, colocamos uma data pra ele pagar. Começou a pagar a dívida bem devagar, mas até hoje, fevereiro de 2023, ainda me deve R$ 2.000. Depois do término, procurei as meninas que eu tinha alguma cisma. A menina que ele namorou no Sul me contou que ele ligava por vídeo da minha casa para ela, que havia a convidado, inclusive, pra morar em Brasília. Procurei também a menina do outro estado. Ela me contou que eles namoravam enquanto a gente namorava. Inclusive, quando ele me dizia que estava viajando a trabalho, estava com ela. E uma vez que sugeri que eles pudessem estar juntos, ele me chamou de louca.

Todas as vezes em que tentei descobrir o caráter dele, fui chamada de louca. Todas as vezes em que ele me diminuía enquanto mulher, fui me inferiorizando. O resultado não poderia ser diferente: fui diagnosticada com transtorno misto depressivo e ansioso. Voltei para a terapia e comecei a tomar medicamento tarja preta receitado por uma psiquiatra. Ele seguiu a vida dele com a amante e eu segui a minha vida sozinha, tentando me recuperar desse narcisista perverso. Com o tempo voltei a sair, me divertir, conhecer pessoas, voltei a ser ativa, me alimentar melhor e larguei o álcool.

Hoje, a única coisa que quero dele é distância. Cansei das desculpas dele para não quitar a dívida. Aceito perder R$ 2.000 para ter paz. É triste saber que fui usada profissionalmente e financeiramente, mas fico feliz em saber que nunca mais ele vai fazer parte da minha vida. Hoje, percebo que ele é uma desgraça ambulante, onde encosta destrói tudo.

Obs: Texto escrito em 24/04/2022 e atualizado em 03/02/2023

Compartilhe:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *