DEVANEIOS

Ela morreu em silêncio

Se eu fechar os olhos, ainda consigo me lembrar do dia em que ela te chamou pra dançar valsa em frente ao Museu Nacional de Brasília. Era início da noite, e o fluxo de pedestres estava intenso. Os trabalhadores se deslocavam por ali com destino à rodoviária.

Você riu e achou que o convite era uma loucura. Pra surpresa dela, você aceitou. Ela cantarolou uma valsa e te conduziu. Você disse que as pessoas estavam olhando, e ela falou: “Deixem que olhem.” Pra ela, naquele momento, apesar de dezenas de pessoas ao redor, vocês eram os únicos naquele instante.

Aquela garota, com seus 22 anos, não tinha ideia do quanto mudaria nos anos seguintes. Era espontânea, ingênua e romântica. Meses depois, você confessou que foi ali que se apaixonou por ela. Talvez, o brilho nos olhos que ela carregava tenha te encantado. Pode ser que seja verdade.

Seis meses depois dessa dança, aquela menina começou a morrer. E o pior: ela pediu desculpas por ser assim, por ser leve, por querer o mundo e por ter uma visão romântica da vida.

Ela endureceu, se fechou e se tornou uma muralha. Hoje, 11 anos depois, olhei arquivos antigos e me lembrei dela. O nó na garganta reapareceu, me deu vontade de niná-la e pedir desculpas. Ela não teve culpa de nada do que aconteceu. E vou além: digo que sinto inveja e saudade daquela criaturinha. Se eu pudesse trazê-la de volta, com certeza meu mundo seria mais florido.

Sinto sua falta, little P.

Brasília, 2014.
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